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Da série: 'Importa-se de repetir?!' | Bruxelas diz-se supreendida com os 15% de desemprego em Portugal

Posted: 3 de abr. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , ,

Hoje, durante a divulgação do relatório sobre a implementação do programa de ajuda externa, que contém as conclusões da terceira revisão da troika, ouviu-se mais uma declaração espantosa, para somar a esta.

Leio no Público:

A Comissão Europeia considera que o programa de assistência financeira a Portugal está a ser implementado, mas avisa que há riscos consideráveis. Do lado orçamental, o maior receio vem de um aumento do desemprego acima das previsões. “Ficámos um pouco surpreendidos com a subida do desemprego e ainda temos dificuldade em interpretar esses números”, admitiu hoje Peter Weiss, responsável da Direcção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros (ECFIN), numa conferência de imprensa em Bruxelas. (...) Em termos gerais, as projecções da taxa de desemprego estão em linha com o previsto, mas avisa que "há risco de termos de rever os números do desemprego na próxima revisão”, em Maio.

A conclusão – Se Bruxelas está muito contente por verificar que Portugal tem cumprido a aplicação do programa de ajuda externa na perfeição e se já admitia, à partida, que o aumento do desemprego seria um risco inerente a esse mesmo programa, como pode agora dizer-se «surpreendida» com o resultado? Como pode surpreender-se com o facto de a prática confirmar o que em teoria diz saber que seria uma consequência inevitável da receita aplicada? Não percebe o aumento da taxa de desemprego? Precisa de ir estudar os números? Para quê?! Eles apenas comprovam aquilo de que Bruxelas tanto se congratula: o programa que desenhou está, sem margem de dúvida, a ser executado de forma exímia em Portugal. O disparo da taxa de desemprego em tempo recorde – aumentando 3% em menos de um ano e atingindo os 15% no primeiro trimestre, quando a previsão da troika apontava para 14,4% no final do ano – é só mais uma prova de que pode continuar a dormir descansada: Passos Coelho e companhia cumprem escrupulosamente as instruções que recebem.

Leio no Expresso:
No final, em declarações a um grupo de jornalistas, o responsável europeu [Peter Weiss] arriscou uma explicação, adiantando que os despedimentos podem ter sido antecipados a pedido dos próprios trabalhadores, para beneficiarem das regras do subsídio de desemprego, que foram modificadas a partir deste mês: "Pode até acontecer a pedido dos trabalhadores, que é claro que estão interessados em ter uma maior duração do subsídio de desemprego, que pedem 'em vez de me despedir em Abril, despeça-me em Março', pode ser isso".
E apesar de reconhecer não dispor de qualquer base científica para tal afirmação, não hesitou em avançar com um paralelismo: "Isto está sempre a acontecer, quando se aumenta os impostos sobre o tabaco, as pessoas começam a comprar cigarros, isto é um comportamento normal. Não temos quaisquer provas disso, mas avancei isso como uma das razões, porque como eu disse nós não entendemos completamente os números". 

A explicação – Leituras como esta que Peter Weiss ensaiou junto dos jornalistas falam por si. De tão aberrante torna-se inenarrável. De tão absurda, leviana e infundada permite perceber algumas das razões pelas quais o desemprego, que já flagela a Europa de ponta a ponta, atinge o nível da calamidade pública nos países intervencionados por programas financeiros concebidos, justamente, pelo engenho de cérebros pensantes como o deste comissário europeu. Ouvir Peter Weiss reflectir sobre o caso desengana qualquer mortal. Longe de tranquilizar, oferece pelo menos uma certeza: comandada por gente com esta capacidade de equação dos problemas, não só não é de crer que a UE consiga combater a galopada do desemprego, como dificilmente é de esperar que seja capaz de articular uma resposta eficaz para os males que estão a consumir a Europa.

As soluções – Senão, vejam-se algumas das novas receitas que a Comissão Europeia tenciona prescrever a Portugal para fazer face à «surpreendente» subida do desemprego:

Leio no Diário Económico:
Peter Weiss frisou que a reforma do mercado de trabalho "é um pilar fundamental". O vice-director da missão da Comissão para Portugal avançou que a reforma laboral "está a correr muito bem e, em alguns casos, vai mais longe que o memorando [de entendimento]". Weiss recordou que "foi conseguido um acordo tripartido, que cobre a maior parte das áreas do memorando, como a redução dos feriados e férias", dos "custos laborais" e do "subsídio de desemprego". Tudo medidas que, acredita, vão "aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho". No entanto, há margem para acções e melhorias adicionais, disse o responsável.

Leio no Público:
Bruxelas avisa o Governo que não há margem para derrapagem e atrasos no campo das reformas estruturais. (...) No que toca ao mercado laboral, “pode ser necessário ir mais além do que os passos de reforma actualmente previstos, em áreas específicas como a duração dos subsídios de desemprego ou nos mecanismos de extensão dos acordos colectivos”. (...) À margem da conferência, Peter Weiss esclareceu que a ideia é reduzir a duração do subsídio de desemprego para trabalhadores com mais tempo de trabalho.

Leio na RTP:
[A Comissão Europeia considera] que a "a redução na duração máxima do subsídio de desemprego de 38 para 26 meses não está em linha com o máximo de 18 meses" acordado com a `troika`.Para além disso, nota a Comissão, a idade "continua a desempenhar um papel significativo" na determinação da duração do subsídio, o que também vai contra o disposto no memorando. "O Governo vai completar, até ao final do ano, uma análise sobre a subsidiodependência e sobre o desemprego de longo prazo, com vista a corrigir eventuais deficiências", refere a Comissão.

À esquerda e à direita, dentro e fora de Portugal, os alertas para as consequências negativas do abuso de políticas de austeridade nas economias em crise não têm parado de se suceder. Está mais do que provado que a receita só serve para estrangular os países em apuros, diminuindo a sua capacidade de reacção e adiando ainda mais a superação das dificuldades. O exemplo está aos olhos de quem o queira ver: basta olhar para o que invariavelmente se repete nos casos em que a mesma fórmula foi ou é aplicada, da Argentina à Grécia.
Em Portugal, confirmam-no – para não irmos mais longe do que a última semana – os números do desemprego divulgados pelo Eurostat, o Relatório de Primavera do Banco de Portugal e a necessidade do Governo de fazer aprovar um Orçamento Rectificativo para 2012, ainda durante o primeiro trimestre [Cf. AQUI].
«A deterioração do ambiente macroeconómico e, em particular, do aumento mais rápido que o previsto do desemprego está a começar a pesar na execução orçamental», vem dizer o relatório hoje tornado público pela Comissão Europeia, onde se faz particular referência às «importantes consequências» da escalada do número de desempregados nas contas da Segurança Social. Nada que o Governo já não se tivesse dado conta. Aliás, foi justamente esse o argumento que usou para justificar a necessidade de um Orçamento Rectificativo para 2012: os 15% que a taxa atingiu em Fevereiro traduzem-se em menos receitas arrecadadas com impostos e mais gastos associados ao desemprego, uma despesa do Estado que disparou 18% e já soma 411 milhões de euros. Uma realidade que não se vai alterar, sobretudo quando o próprio primeiro-ministro admite o agravamento do desemprego ao longo do ano. 
A estimativa é de que a diminuição do emprego crie um buraco de 183 milhões de euros na colecta e obrigue a Segurança Social a pagar mais 138 milhões de euros em subsídios de desemprego, ‘lay-off' e apoios ao emprego. No total, o agravamento da recessão no país vai tirar 630 milhões de euros ao Orçamento do Estado, comprometendo obviamente a meta do défice orçamental (4,5%), caso não sejam compensados por outra via.
Diante deste cenário, e sendo consensual – dizem! – que o desemprego é o principal factor de derrapagem quer da execução orçamental do Governo, quer do plano de resgate da troika, aquilo que o país está mesmo a pedir são medidas adicionais que o estimulem, em vez de o combater!... Como se para o incentivar não bastassem já as alterações aprovadas ao Código Laboral.
Os principais indicadores económicos encarregam-se, eles mesmos, do balanço de um ano de aplicação do programa de Governo PSD/CDS e do plano financeiro da troika: nada se atenuou e tudo se agravou.
Se agora Peter Weiss se confessa «surpreendido» e diz que a Comissão Europeia não contava com «uma reacção tão significativa do mercado laboral à austeridade», imagine-se o quão estonteado ficará com o resultado, depois de adicionar à receita prescrita a Portugal o xarope de soluções que hoje mencionou.

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