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Um 'Relatório de Primavera', um 'Orçamento Rectificativo' e a crónica de um Portugal cada vez mais afundado no pântano

Posted: 30 de mar. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , ,

Ontem, o Banco de Portugal saiu com o seu sazonal Relatório de Primavera sobre a situação económica de Portugal. Traça um cenário negro e, como de costume e bem ao gosto do seu governador, lá deixa preto no branco a necessidade de acautelar mais medidas de austeridade. Sobre isso, recomenda-se este texto do João Rodrigues: curto e grosso, está lá tudo (não esquecer, por favor, de seguir os links: especialmente este!).
Nem de propósito, na véspera, tinham Passos Coelho, Gaspar e companhia entregue na Assembleia da República o Orçamento Rectificativo para 2012 (e ainda nem ao final de Março chegámos!): derrapagens, acréscimos, surpresas, agravamentos, cifras negras, revisões em baixa.
Em suma, uma demonstração do efeito criminoso que a aplicação do Programa de Governo (inspirado no acordo de empréstimo financeiro da troika, mas orgulhosamente bem mais ousado) tem surtido no país e que, escorada nos relatórios do BdP, se sente legitimado para prosseguir.
A quebra nas receitas fiscais do Estado galopa desenfreada. Com o aumento brutal do desemprego, há cada vez menos trabalhadores a pagarem impostos e cada vez mais a receberem os subsídios a que têm direito. Pior: como o desemprego ataca cada vez mais os profissionais com maiores qualificações, de dia para dia são também maiores os valores dos subsídios que o Estado tem que pagar. Entre os que ainda vão trabalhando, a sobrecarga do aumento do custo de vida é tão grande que a maioria das famílias já não paga os seus impostos, por incapacidade económica de o fazer.
Não fora o facto de ser a nossa vida e o nosso país e até daria alguma satisfação observar que o Governo começa a pagar caro pelo absoluto desprezo e total indiferença a que tem votado aqueles que tiveram a infelicidade de perderem os seus empregos e tanto desesperam na ânsia de quererem voltar a trabalhar. A factura já lhe está estendida há muito tempo e, desde então, não tem parado e crescer. Pena que só o Governo não se tenha dado conta. Não ter feito nada e continuar sem nada fazer para que resolvam a sua situação, voltar-lhes as costas, ignorá-los, abandoná-los ou mandá-los emigrar há-de ser a crueldade maior que se acabará por se virar contra si próprio.
Este Governo, tal como os seus sósias europeus, teima em descurar o óbvio: não há mercado ou economia – rotule-se ela de liberal, neoliberal, ou o que bem entender – que se sustenha sem matéria-prima, sem engenho e sem força de trabalho. Podem ser muito iluminados os empresários, muito sofisticadas as estruturas empresariais, mas sem quem nelas trabalhe bem podem fechar as portas ou cruzar os braços. Passos Coelho e companhia bem clamam que querem pôr a economia a mexer, mas por alguma razão ela não se move. Investissem no trabalho e tudo o mais se colocaria de mediato em movimento.
Este Governo e os seus comparsas europeus insistem em falar com desdém dos desempregados, na maioria das vezes sacudindo-os, como pesos mortos e inúteis de que anseiam por se verem livres de uma vez por todas, como se só lhes atrapalhassem os passos, incomodassem os  cofres e estragassem os planos e as estatísticas [Cf. entrevista do primeiro-ministro à TVI]. Por outras palavras, e tudo resumido, como se fossem os desempregados que precisassem deles e eles não estivessem para isso. Nunca leram Hegel, nem nunca olharam à sua volta. Se o tivessem feito saberiam que é o contrário. É este Governo, tal como os seus compinchas, quem precisa desesperadamente que estes desempregados voltem a trabalhar. Para ver se a economia 'alavanca', para ver se os mercados 'acordam', para ver se os seus países não se afundam e eles próprios e as suas políticas não se afogam na História por vir.
Não fora o sofrimento que já cá mora e ver Passos e companhia amargarem por conta do desemprego e da leviandade com que sempre o ignoraram até daria alguma satisfação. Uma doce vingança vê-los finalmente na mesma condição dos desempregados: de cofres vazios, a meterem a mão ao bolso e não sair nada, sem ninguém mais a quem ir buscar o que precisam para sobreviver.
Infelizmente, os custos do desemprego será sempre um preço que o Governo não pagará sozinho porque, antes dele, já Portugal e os portugueses tinham começado a pagar a factura.

A compilação das más notícias que têm feito os últimos dias, em Portugal, segue em baixo.

Défice orçamental piora mesmo sem efeito das medidas pontuais: saldo global do Estado regista deterioração de 75 milhões

Mesmo excluindo todos os efeitos extraordinários que afectaram o défice orçamental nos primeiros dois meses do ano - como por exemplo a transferência de capital para a RTP - os resultados são piores do que o esperado. A conclusão consta do relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) sobre a execução das contas públicas até Fevereiro, a que o Diário Económico teve acesso.
"Excluindo os factores específicos, o saldo global do Estado registaria uma deterioração de 75 milhões de euros em termos homólogos, aquém da melhoria implícita no Orçamento do Estado [OE] para 2012", lê-se na análise feita pelos peritos do Parlamento. Ou seja, mesmo eliminando das contas todos os efeitos verificados neste ano, e no ano passado, que dificultam a comparação dos números, o défice continua a evoluir pior do que o esperado pelo Governo.
Esta será uma das razões - embora não seja a única - que obriga o Executivo a aprovar hoje, em Conselho de Ministros, um Orçamento Rectificativo para este ano. A correcção ao OE/12 deverá trazer os ajustamentos necessários para que a meta do défice orçamental prometida ao País e à ‘troika' - de 4,5% - continue a ser alcançável.
Por enquanto, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, tem garantido que não são precisas mais medidas de austeridade e que os ajustamentos serão feitos apenas com o recurso a folgas orçamentais e esforços de poupança acrescidos. Contudo, tem remetido as explicações detalhadas sobre como é que esse efeito será conseguido para a apresentação do Rectificativo. link


Cf. também:



Orçamento Rectificativo do Governo
[Março de 2012]

Recessão já tirou 630 milhões ao Orçamento: Governo prevê menos receitas com impostos e mais gastos associados ao desemprego 

O agravamento da recessão económica provocou um buraco de 630 milhões de euros no Orçamento do Estado para 2012. Na proposta de Orçamento Rectificativo que o Governo entregou ontem na Assembleia da República, o Executivo estima uma queda de quase 500 milhões de euros para as receitas que mais dependem da actividade económica, e um aumento de perto de 140 milhões de euros com gastos associados ao desemprego.
Apesar do aumento de impostos aplicado este ano, o Governo não vai arrecadar tanta receita fiscal como tinha inicialmente esperado. O Orçamento Rectificativo revela que, só às receitas de IVA, a crise vai retirar 239 milhões de euros, cortando outros 158 milhões ao encaixe previsto com o Imposto Sobre Veículos. As excepções são o Imposto Sobre o Tabaco e o Imposto Único de Circulação, cujas previsões de receita são revistas em alta. Feitas as contas, os impostos indirectos rendem menos 309 milhões de euros.
A este buraco há que somar a diminuição prevista com contribuições para a Segurança Social: a diminuição do emprego (que o Governo prevê agora que seja mais do dobro do que admitia em Outubro, quando apresentou a primeira versão do OE) cria um buraco de 183 milhões de euros. Ao mesmo tempo, a Segurança Social terá de pagar mais 138 milhões de euros em subsídios de desemprego, ‘lay-off' e apoios ao emprego.
No total, só pelo agravamento das condições económicas há cerca de 630 milhões de euros que pesam no Orçamento do Estado e que têm de ser compensados, para que a meta do défice orçamental (4,5%) não fique em causa. link

Governo prevê menos 198 milhões em receitas fiscais

O Governo fez revisões substanciais às suas previsões para a receita fiscal deste ano, corrigindo em baixa a receita prevista do IVA e do imposto sobre veículos (ISV) e em alta a do imposto sobre as empresas (IRC).
O imposto onde o Governo fez a correcção mais substancial foi o IVA, maior fonte de receitas fiscais: o Governo espera agora obter menos 239 milhões de euros que no orçamento aprovado em Outubro.
Esta redução poderá estar relacionada com a revisão da descida do consumo privado, que será maior do que o previsto inicialmente.
Em termos percentuais, contudo, a maior revisão foi no ISV: uma redução de 21,2 por cento face a Outubro, equivalente a 158 milhões de euros, confirmando a tendência de uma redução muito significativa na venda de automóveis este ano.
Estas quebras são parcialmente compensadas pelo aumento de 104 milhões de euros na receita do IRC, e por um crescimento de 97 milhões de euros na receita do imposto sobre o tabaco.
Em 2011, a receita fiscal total foi 34.164 milhões de euros. Para este ano, o Governo espera agora arrecadar 35.135 milhões de euros - ou seja, mais 2,8%.
Nos primeiros dois meses do ano, segundo dados da Direcção Geral do Orçamento (DGO), a receita fiscal caiu 5,3% face ao mesmo período do ano anterior.
O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e outros membros do Governo têm desvalorizado estes resultados negativos, considerando que o período de comparação é muito curto, que subsistem efeitos de base que deturpam os dados e que há medidas do orçamento que só terão efeito a partir de Março. link

Subsídio de desemprego aumenta pressão no Orçamento Rectificativo  

Em Fevereiro, a Segurança Social aceitou em média 900 pedidos de subsídio de desemprego, todos os dias. No total, foram atribuídas 27.141 novas prestações em apenas um mês. Estes são os dados mais recentes e mostram que a crise continua a ter reflexos no mercado do trabalho - um impacto que será visível no Orçamento Rectificativo que o Governo aprova amanhã em Conselho de Ministros.
Os números incluem os novos pedidos de subsídio de desemprego e de subsídio social inicial (que é atribuído a agregados com baixos rendimentos e tempo de carreira insuficiente para aceder à prestação principal). Face ao mesmo mês de 2011, os dados de Fevereiro mostram uma subida de 57%. Os aumentos têm sido uma constante dos últimos meses: por exemplo, em Dezembro o número de requerimentos aceites quase duplicou em termos homólogos.
O resultado são 350.693 pessoas a receber prestações de desemprego - os números poderão estar ligeiramente sobreavaliados porque pode haver quem tenha transitado de centro distrital durante o mês. É preciso recuar até Julho de 2010 para encontrar um valor tão elevado, o que revela a pressão crescente nos cofres da Segurança Social. link

Segurança Social dificulta défice: saldo cai quase 300 milhões de euros face ao previsto

Para tapar os efeitos da crise nas contas da Segurança Social o Governo terá de transferir mais 522 milhões de euros do Orçamento do Estado para este subsector, do que o inicialmente projectado. Mesmo assim, a ajuda que a Previdência vai dar ao valor final do défice ficará reduzida a 63 milhões de euros.
Com a quebra das receitas das contribuições e o aumento das despesas com subsídio de desemprego, o saldo da Segurança Social vai levar um rombo de 292 milhões de euros. Contas feitas, passará de um contributo positivo para o défice total das administrações públicas de 355 milhões de euros, para apenas 63 milhões.
A complicar o défice está também o saldo da Administração Regional. Em vez de contribuir com um excedente de 242 milhões, a regiões passam a pesar nas contas com um défice de 158 milhões de euros. As autarquias têm uma revisão mais modesta, de apenas 17 milhões de euros. Ainda assim, continuam a apresentar um saldo positivo de 374 milhões de euros.
Para compensar a degradação dos saldos destes subsectores, o défice do Estado terá de ser mais pequeno do que o inicialmente previsto. O Governo estima agora um buraco de 6.275 milhões de euros, menos 1.240 milhões do que o inicialmente planeado. No final, de acordo com os critérios da ‘troika', o défice fica ligeiramente mais alto: 4,5% do PIB, em vez de 4,1%. No entanto, a meta publicamente assumida pelo Executivo sempre foi 4,5%. link

Cf. também:


Em resumo: a única componente do PIB revista em alta, pelo Governo, foi o consumo público. No  entanto,  além de contar poupar 490 milhões com redução dos juros à troika, Passos Coelho agarra-se à descida dos juros da dívida e insiste em dá-la como prova do sucesso do «caminho» escolhido pelo seu Executivo e um sinal de reconhecimento da parte do mercado.

Para ajudar:

Relatório de Primavera do Banco de Portugal

Economia não cresce no próximo ano

O Banco de Portugal admite que se a actividade económica cair ainda mais pode ser preciso mais austeridade.
Portugal vai crescer menos que o previsto, mas, para já, nem o Governo, nem o Banco de Portugal avançam com a necessidade de mais medidas de austeridade para cumprir a meta do défice. No entanto, o banco central defende que os riscos de a economia nacional afundar ainda mais existem e, nesse caso, serão mesmo precisas mais soluções para evitar derrapagens face ao défice de 4,5%.
O alerta chega do Banco de Portugal, que no Boletim Económico de Primavera, divulgado ontem, refere que "no plano interno, uma deterioração do cenário macroeconómico poderá conduzir à necessidade de adopção de medidas adicionais que garantam o cumprimento do objectivo orçamental". Ou seja, se a recessão for mais intensa que a queda do PIB de 3,4% - agora projectada -, o banco conduzido por Carlos Costa considera necessárias medidas adicionais. E vai mais longe. Admite até que, nesse cenário, as soluções a adoptar venham do lado da receita, com consequentes impactos negativos nos preços. "A possibilidade de aumento de impostos indirectos e preços administrativos decorrente da eventual necessidade de medidas adicionais de consolidação orçamental traduzir-se-ia num aumento das pressões inflacionistas", refere o documento. link

Menos emprego, menos salários e menos rendimento

A marca da austeridade no mercado de trabalho é brutal: só este ano serão destruídos mais de 174 mil postos de trabalho, prevê o Banco de Portugal (BdP). E, em três anos de ‘troika', a economia nacional vai perder quase 350 mil empregos. Uma factura que o próprio Governo já reconheceu ser maior que o esperado e que já está a pesar no Orçamento.
Menos emprego, menos salários, menos rendimento disponível. As perspectivas para os trabalhadores portugueses estão longe de ser as melhores.
De acordo com os dados do Boletim Económico de Primavera do BdP, ontem publicado, "projecta-se uma redução do emprego de 3,6% em 2012 e 0,7% em 2013". Ou seja, só este ano, Portugal vai perder 174.132 postos de trabalho, a que se somarão outros 32.640 no próximo ano.
Tendo em conta a quebra 1,5% no emprego que se verificou em 2011 - ano em que o país recorreu à ajuda externa -, em três anos de ‘troika' a economia portuguesa vai perder mais de 348 mil empregos. link

Economia refém da evolução das exportações

As exportações são, ao mesmo tempo, a maior esperança e o maior risco para a economia portuguesa. Quem o diz é o Banco de Portugal (BdP), que reviu ontem em baixa a previsão para as vendas ao exterior.
Para fugir à recessão, só à conta das exportações, e mesmo assim só no próximo ano. Em 2012, farão apenas com que a economia não recue ainda mais.
O Boletim Económico de Primavera reviu ontem em baixa as previsões para a economia nacional, que deverá recuar 3,4% este ano e estagnar no próximo. E o que mais contribui para a revisão em baixa é a crise da zona euro, que deixará marcas maiores que o esperado no comércio externo português.
Este ano, "as exportações deverão manter um contributo determinante para sustentar a actividade, ainda que se anteveja um significativo abrandamento face ao crescimento robusto observado em 2011", avança o BdP, explicando que tal se deve à "deterioração marcada das perspectivas de evolução da procura externa". link

Ou seja, Passos fala de retoma no próximo ano, Banco de Portugal fala em estagnação. Os empresários frisam as dificuldades de financiamento e as incertezas externas (aqui e aqui) e garantem que a implementação de mais medidas austeridade "não chega" para tirar Portugal da actual situação económica.

Em resultado

Orçamento Rectificativo faz endividamento aumentar em 5 mil milhões de euros 

O documento que deu ontem entrada no Parlamento vai permitir abater as dívidas de várias entidades que já fazem parte do perímetro das administrações públicas. A verba não tem impacto no défice porque vai servir para reforçar operações financeiras, mas, em contrapartida, o Estado terá de se endividar mais do que o inicialmente previsto. É que há um conjunto de operações abaixo da linha que não têm interferência no défice.
No Orçamento do Estado para este ano (OE/12) previa-se um aumento do endividamento líquido de 13,9 mil milhões de euros e o Rectificativo vem aumentar esse montante para 18,9 mil milhões de euros. Esta subida de cinco mil milhões fica, ainda assim, abaixo dos 6,3 mil milhões de euros que totalizam todas as operações que constam do documento. A diferença de valores indicia que o Estado terá outra forma de se financiar - por exemplo, os fundos de pensões da banca - que não endividando-se.
A fatia de leão que justifica este pedido adicional cabe aos municípios, entidades públicas e entidades do sector da saúde. O documento mostra que o Estado vai mesmo investir nas dívidas das autarquias. No Rectificativo estão previstos 2.057 milhões de euros para a cessão de créditos da banca sobre os municípios. Com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e Governo de acordo quanto à necessidade de resolver com urgência as dívidas a curto prazo das autarquias, que devem rondar os 2,5 mil milhões de euros, esta será a verba a disponibilizar. Tal como o Económico já avançara, a solução pode passar pela compra da dívida das autarquias à banca. link

Para entrar ainda nas contas:


Cf. também:


... e mais alguns outros 'pózinhos' que o Conexão não inventariou às parcelas.

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