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Tarda Marta, retarda-se Márcio e... a Funai segue a perder

Posted: 27 de mar. de 2012 | Publicada por por AMC | Etiquetas: , , , ,

Hoje a Agência Brasil publica uma matéria que confirma a indicação do ministro da Justiça do nome da demógrafa Marta Azevedo para a presidência da Funai, que Conexãoaqui tinha mencionado. Desde que a informação veio a público passou, todavia, mais de uma semana sem que o Governo voltasse ao assunto ou fornecesse maiores detalhes. Um estranho silêncio que suscita reservas, ainda que a assessoria do Ministério e a Unicamp tenham confirmado a escolha.
Seja como for, façamos fé que não se trata nem de rumores, nem de fogo de palha porque a Funai não pode dar-se ao luxo de mais delongas.
A ser como veio a público, Marta Azevedo torna-se a primeira mulher eleita para dirigir a Funai – um facto inédito nos 45 anos de história que a instiuição leva – depois que o actual presidente, há cinco anos no cargo, pediu a demissão no passado mês de Dezembro. Até hoje, desconhecem-se as razões de Márcio Meira, mas o impasse na nomeação do seu substituto, fez com que a Funai tenha andado praticamente à deriva desde então, uma vez que Meira só raramente tem aparecido na Fundação, reduzindo a sua actividade a formalidades mínimas.
A situação é tanto mais dramática quanto em cima da mesa das polémicas nacionais se encontram questões de extremo relevo para aquilo que aos interesses e direitos dos povos indígenas diz respeito, como por exemplo, as alterações previstas pelo Novo Código Florestal e, mais recentemente, a
Pelo meio fica a desarticulação da própria estrutura da Funai, com as divergências a multiplicarem-se, sobretudo no que diz respeito ao diálogo com as várias lideranças indígenas (aqui e aqui),  muitas críticas (em especial na protecção à saúde) e os episódios de invasão de instalações a sucederem-se um pouco por todo o Brasil. Hoje, mesmo, o Conexão informava sobre o abandono a que foi votada a base mais remota da Funai, na fronteira amazônica com o Peru, por falta de apoio e incapacidade de enfrentar os ataque de pistoleiros de que tem sido alvo
É certo que a agenda política do Brasil não tem facilitado a vida de Márcio Meira e que o imbricado das questões em jogo o tem colocado sob fogo cerrado quer da parte de ruralistas, quer de ambientalistas. Porém, não há como iludir os episódios que têm exposto a omissão e inoperância da Funai na resposta aos fins para que foi criada. A recente condenação do Brasil pela ONU com base na violação da Convenção OIT 169, por exemplo. Ou a polémica venda de créditos de carbono que deixa os índios desprotegidos às mãos das duvidosas contrapartidas económicas de grandes empresas estrangeiras. Do Xingu às remotas cabeceiras do Rio Envira, a verdade é que a actuação da Funai tomou um caminho incipiente, incapaz de se impor como interlocutor eficaz, quer no que se refere ao conflito gerado junto dos povos tradicionais pela construção de Belo Monte, quer na defesa das tribos de índios isolados, a braços com graves ameaças de extinção por parte de madeireiros e pistoleiros contratados.
Não é um cenário favorável, este que Marta Azevedo herda. Muito por conta da crescente integração digital dos povos indígenas – que assim se habituaram a, de forma autónoma, lutarem e darem eco global aos seus problemas –  não só aumentou a visibilidade pública dos seus dramas, como a capacidade de mobilização e engajamento às suas causas, tanto no Brasil como a nível internacional.
Quer se queira, quer não, a impressão de abandono e desprotecção a que os povos indígenas ainda estão sujeitos no Brasil, que tem passado para a opinião pública, em nada tem fortalecido a reputação da Funai e o reconhecimento de uma actuação viva, dinâmica e eficaz. Antes a do seu oposto. Com a proximidade da Rio+20 o cenário piora, especialmente se considerarmos a importância que a discussão social tem ganho na agenda, ombreando lado a lado com as questões ambientais e bem patente na fortíssima expressão que a realização paralela da Cúpula dos Povos adquiriu. O mundo está de olhos postos no Brasil e, muito em particular, nas políticas e estratégias que traz no terreno para garantir a sustentabilidade do seu desenvolvimento.
Ora acontece que quem acompanha com atenção os trabalhos de organização do evento, facilmente percebe o apagamento da Funai neste processo: indesejável e lamentável apagamento, como a própria cedo perceberá.
Assim de repente, mil e uma razões ocorreriam para que o processo de sucessão à presidência da Funai acelerasse de uma vez por todas: dos imperativos da agenda mundial às premências legislativas em curso no senado e na Presidência, para já não falar da digna urgência dos povos indígenas que cumpre à fundação dar resposta célere e eficiente. Em vez disso, tarda Marta e retarda-se Márcio sem que se entenda muito bem porquê. Acaso uma impactante passagem de testemunho resguardada para as festividades de mais um Dia do Índio, a celebrar no mês de Abril? Teme-se, porém, que por essa altura Marta venha ainda mais atrasada do que já vem. Aliás, impossível não perguntar se a votação da PEC 215 e a desastrosa decisão da Câmara dos Deputados não teriam tido outro rumo se a Funai não estivesse tão desmantelada e incapaz de articulação política como se encontrava à data da trágica votação.
Uma de duas coisas podem suceder depois de tamanhas delongas: ou a nova presidente se escuda no timing apertado para se colocar por dentro dos diversos dossiers em aberto e pegar o trem em andamento, optando por se resignar a um papel nulo e improdutivo; ou, pelo contrário, tomada do fôlego retemperado de quem assume um cargo e quer provar que tem projectos, ideias e capacidade para o desempenhar, se atira às questões com as ganas que assistem aos que chegam determinados a mostrarem que fazem a diferença e vieram para vencer. A confirmar-se a primeira hipótese, a doença prolongada da Funai terá ditado um irremediável e incalculável prejuízo às questões indígenas mais prementes, com graves responsabilidades para o ministro que tanto retardou a nomeação do sucessor de Márcio Meira. A ser a segunda, talvez ainda haja esperança de reverter a situação de desvantagem a que têm estado votadas as vozes indígenas. Nesse caso, o atraso na decisão do ministro será suplantado pelo elogio ao acerto do nome que acabou por escolher para presidir à Funai.
A ver vamos como vai a nova presidenta encarar o desafio de buscar solução para os impasses na relação entre o órgão e as lideranças das comunidades indígenas, como vai lidar com as consequências da votação da proposta de emenda à Constituição (PEC 215) sobre a demarcação de terras indígenas, que fará para colmatar o contínuo esvaziamento de poderes de que a Funai tem sido alvo e como conduzirá as múltiplas denúncias de violação de direitos humanos em comunidades indígenas, em boa medida acentuadas pela expectativa de amnistia a grileiros e desmatadores que o novo Código Florestal deixa antecipar.

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